CIDADE E CRIANÇAS

Vivemos uma era urbana. Desde 2007, pela primeira vez na história da humanidade, mais pessoas moram em cidades do que no campo: segundo o Banco Mundial, em 2019, 54% das pessoas viviam em cidades; no Brasil, esse número chega a 87% (dados de 2018).

Cada vez mais, é no contexto urbano que a maioria das nossas crianças crescem. Essa é uma grande notícia, uma vez que as cidades proporcionam acesso a serviços, oportunidades econômicas, mecanismos de governança e elevado índice de qualidade de vida (saúde, educação, cultura, saneamento etc).

Mas para que as cidades se tornem, de fato, ilhas de prosperidade e de oportunidade para nossas crianças, é preciso enfrentar os desafios que essa mesma cidade nos impõe.

Estima-se que, no mundo, 300 milhões de crianças vivam em favelas. A desigualdade é um dos principais desafios urbanos e se manifesta de diversas formas, seja no acesso desigual a serviços como habitação, saúde, transporte e educação, seja na falta de urbanização de comunidades vulneráveis ou pelo silenciamento de comunidades (e de crianças), que não são convidadas a participar dos processos de planejamento e de gestão das cidades.

A promoção de espaços mais inclusivos, de um sistema de mobilidade que garanta o direito de ir e vir de toda a população e o acesso de todos aos serviços oferecidos, garante o pleno desenvolvimento das crianças, estando inclusive conectados à sua saúde e bom desenvolvimento escolar.

Enquanto crianças que têm acesso a brincar em espaços verdes têm menor índice de hiperatividade e mais atenção nas aulas¹, crianças moradoras de cortiços apresentam baixo desempenho na escola².

Transformar as cidades com as crianças

Esses desafios têm mais chances de serem superados quando a governança da cidade é feita de forma intersetorial e participativa, em que estados, municípios, diferentes secretarias e a sociedade civil unem forças para a garantia dos direitos das crianças.

Qualquer esforço sério para construir cidades mais inclusivas, seguras, sustentáveis e resilientes deve buscar a inovação e a escuta em seu processo.

Incluir as crianças nessas escutas é essencial e garante a diversidade de olhares, de necessidades e de soluções possíveis, atendendo a assuntos que afetam sua vida – e a dos adultos – direta e indiretamente.

A participação infantil pode e deve ser incluída, inclusive, em decisões de desenho urbano na busca por soluções inclusivas e equânimes, criando espaços que levem em consideração todos os seus usuários: mulheres grávidas, bebês de colo, crianças brincando, adultos em deslocamentos cotidianos, pessoas com necessidades especiais, ou idosos em caminhadas matutinas.

Essa inovação no modo de fazer cidades, escutando os cidadãos e as crianças, leva a novos parâmetros de redesenho das cidades: se nosso habitante padrão deixar de ser o homem adulto e passar a ser uma criança de três anos que se locomove a pé, teremos uma cidade muito mais acessível, inclusiva, mais verde, menos ruidosa e mais segura.

A criança, entendida como um ser completo e cidadã do presente (e não em formação como cidadão do futuro), tem dentre seus direitos o direito à cidade e ao acesso a todos os serviços que ela oferece.

Neste sentido, o ambiente urbano deve promover espaços para brincar, de educação e de cultura, interação com a natureza, mobilidade e circulação, moradia e saneamento.

Estes elementos, combinados, permitem à criança desenvolver-se plenamente em todas as suas dimensões – física, intelectual, emocional, social e cultural – e criar com a cidade uma relação de pertencimento e vínculo.

A participação nas decisões da cidade desde os primeiros anos de vida a tornará um cidadão que compreende o funcionamento urbano, e preparado para fazer da cidade um espaço de convívio e de transformações.

Uma cidade boa para crianças, afinal, é boa para todos: segura, inclusiva, espontânea e cheia de vida. Nela, é possível mover-se com autonomia e segurança, sendo o espaço urbano e público uma grande praça de encontro e descoberta.

As ruas, praças e parques são locais para desenvolver habilidades motoras, ter contato com outras crianças, adultos e pessoas de diferentes origens, formas e opiniões, brincar e ter contato com a natureza.

Equipe MOB.PI

REFERÊNCIAS ¹ Vidar Ulset, Frank Vitaro, Mara Brendgen, Mona Bekkhus, Anne I. H. Borgea. Time spent outdoors during preschool: Links with children's cognitive and behavioral development. Journal of Environmental Psychology, v. 52, oct. 2017, p. 69-80.
² Luiz Kohara. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. Tese de doutorado. FAU-USP. 2009