Participação infantil

Em nossa sociedade, as crianças são normalmente consideradas seres passivos. Suas opiniões, ideias e vontades são deslegitimadas pela noção de que ainda são seres em desenvolvimento e que precisam aguardar o momento futuro em que se tornarão cidadãos participantes.

Nas últimas décadas, intelectuais e especialistas em desenvolvimento infantil começaram a disseminar a importância da participação das crianças na tomada de decisão das esferas que afetam diretamente suas vidas.

Na década de 1990, Roger Hart, geógrafo especializado em direitos das crianças, se debruçou sobre o tema e passou a defender que a participação de crianças e adolescentes na tomada de decisão gera benefícios para toda a sociedade, pois a criança que participa desde cedo desenvolve o senso de democracia, onde as decisões são tomadas coletivamente e não a partir de uma vontade individual.

Além disso, experiências que contaram com a participação de crianças pelo mundo comprovam que, quando estão envolvidas no processo, as crianças incorporam as decisões tomadas e se responsabilizam pela manutenção dos acordos criados e/ou pela sustentabilidade do resultado.

Diferenças entre participação e protagonismo infantil

Alinhadas a esse entendimento de que as crianças precisam ser incluídas e ter suas opiniões valorizadas em tomadas de decisões, muitas iniciativas surgiram com o termo protagonismo infantil.

O termo utilizado tem a intenção de dar destaque às vozes infantis em determinados espaços, sendo este um método e/ou uma estratégia superinteressante em determinados contextos, fazendo com que essas vozes se sobressaiam e possuam um peso maior em uma construção coletiva.

A participação infantil é baseada no protagonismo infantil, e vai além:busca em sua essência pensar o cidadão criança como portador do direito à participação, assim como qualquer outro indivíduo da sociedade, ou seja, a voz das crianças não possui mais ou menos peso em comparação à voz de um adulto, mas sim o mesmo peso e valor.

Desta forma, nos processos cotidianos de suas vidas e também na construção de políticas públicas, evitamos dois problemas muito comuns quando se trata do envolvimento de crianças em tomadas de decisões: o adultocentrismo e o “café com leite”.

O adultocentrismo é a visão de que o indivíduo adulto é o mais dotado de consciência e razão, enquanto as crianças necessitam ser sempre tuteladas e terem suas vidas controladas pelas decisões de um adulto.

O “café com leite” é o tipo de participação infantil que Roger Hart classifica como decorativa, onde existe uma romantização do que as crianças falam e uma valorização falsa, não levando em conta na tomada de decisão.

Orientações para a prática da participação infantil

Outro desafio na participação infantil é saber como colocar a teoria em prática. Pode parecer simples, mas ao realizar um processo de escuta de crianças é preciso tomar alguns cuidados para evitar que a lógica adultocêntrica se sobreponha, mesmo que não intencionalmente.

Orientações

  • Em uma atividade de escuta de crianças é importante ter um número adequado de adultos facilitadores para prestar atenção no que está acontecendo. O ideal é um adulto para cada cinco crianças. Uma dica legal é gravar o áudio das conversas e ouvir com mais calma depois.

  • O direito à não participação precisa ser levado em consideração em processos que envolvam crianças. Sentir-se à vontade para participar de algo é um processo tanto para adultos quanto para crianças, e precisa haver uma etapa de criação de confiança e de conforto entre as pessoas envolvidas no processo.

  • É importante que os adultos envolvidos estejam abertos para se deixarem levar pela ludicidade do pensamento infantil.

  • O brincar é fundamental para o desenvolvimento infantil, ele não pode ficar de fora em um processo de escuta de crianças. Mesmo quando a escuta precisa ser feita a partir de um recorte específico, como em construção de políticas públicas, é importante fazê-la de forma divertida e brincante.

  • Sempre que uma criança produzir algum material, seja um desenho, um vídeo, uma história, pergunte-a sobre o que se trata e o que ela queria passar com a produção realizada. Muitas vezes parece óbvio para nós adultos, mas a intenção da criança pode ter sido outra. Lembre-se de que, às vezes, um desenho para um adulto pode parecer um chapéu e para a criança uma cobra que engoliu um elefante.

  • Evite traduzir ou fazer interpretações a partir do que uma criança falou. Sempre que possível, utilize sua fala na íntegra ou peça para que ela apresente o que está pensando.

  • É importante que os adultos se mantenham atentos às manifestações não verbais. Muitas crianças se expressam corporalmente ou comportamentalmente. Também é fundamental entender o contexto do grupo de crianças, território, classe social, entre outros aspectos relevantes.

  • Por mais que, juridicamente, os familiares adultos sejam os responsáveis legais das crianças, é importante pedir também a autorização delas para utilizar sua imagem, voz e materiais produzidos.


Temos muito a aprender com as crianças, vamos escutá-las e nos divertir com elas!

Equipe MOB.PI